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Já sei: há maluqueiras para todos os gostos no Facebook. Nem vale a pena perder tempo com estas ideias tontas. Mas este episódio em particular ajuda a perceber dois princípios fundamentais do discurso simplista sobre a língua:
- Princípio n.º 1: «Vivo rodeado de estúpidos. Eu não sou estúpido. Se alguém diz uma palavra que eu não conheço, tendo em conta que eu não sou estúpido, mas os outros tendem a sê-lo, a palavra só pode estar errada.»
- Princípio n.º 2: «Ouvi a palavra Y que quer dizer X. Ora, eu já conhecia outra palavra com o mesmo significado. Logo, a palavra Y só pode estar errada. Além disso, se a palavra Y tem um significado, nunca pode ter outro. A cada palavra, um só significado, se faz favor, que eu não tenho tempo para estas confusões.»
Estes dois princípios norteiam muitas das acusações desabridas e simplistas sobre o português dos outros. Mas, para dizer a verdade, o debate sobre o Slash que solou até foi muito cortês.
Todos nós nos enganamos e todos nós podemos tentar corrigir os erros dos outros com respeito e sensatez.
O problema é que os dois princípios acima são salpicados, o mais das vezes, pelo chamado «descontrolo verbal». Se vejo um erro de português — falso ou verdadeiro —, posso dizer o que me apetecer porque estou defender a Santa Madre Língua.
Só assim se explica que, numa outra posta de Facebook sobre o uso da palavra «míster» para designar informalmente um treinador, alguém tenha dito que aqueles que tal dizem «são uns cretinos ignorantes!!!».
Ah, o peso daqueles três pontos de exclamação. O cretino ignorante até fica calado, não vá dar-se o caso de o justiceiro lhe atirar com um quarto — quiçá um quinto! — ponto de exclamação.
Repare o leitor, já agora: quem usa «míster» são jogadores e miúdos que praticam desporto. É um hábito linguístico com várias décadas. Talvez tenha vindo do inglês, talvez não.
É uma palavra do registo informal, uma gíria desportiva — tão inócua que nem vale a pena pensarmos muito no caso. Ah, mas não, um miúdo a dar chutos na bola para ver se o mister fica contente é um «cretino ignorante».
Na verdade, este descontrolo verbal tão típico de muitas conversas de Facebook transmite uma imagem de pensamento descuidado e prejudica o falante — é um gravíssimo erro de português, este sim muito verdadeiro.
Autor: Marco Neves
Autor dos livros Doze Segredos da Língua Portuguesa, A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa e A Baleia Que Engoliu Um Espanhol.
Saiba mais nesta página.
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No Brasil não se usa “míster” para técnico de futebol.
Acredito que aqui no Brasil o equivalente a esse “míster” seja o uso da palavra professor ao invés de se dirigir ao técnico como técnico.
Aprendi muito com o técnico no treino de ontem;
Aprendi muito com o professor no treino de ontem;
Aprendi muito com o míster no treino de ontem.
Só me pergunto se é assim que o míster é usado em Portugal.
Aqui no Brasil, usa-se o verbo solar, também, com o sentido de “não assar uniformemente”, referindo-se a um bolo, quando este fica duro, mal assado.
Só conheço essa palavra através do ” filtro ou bloqueador solar” que é relativo ao sol.
Este blog tem me ajudado a desmistificar muita coisa da cultura portuguesa! Parabéns pelo ótimo serviço prestado. Já me deu vontade de visitar nossa pátria-mãe!
Quanto aos questionamentos sobre o “solar”, fico imaginando a cara de indignação do queixoso se pegar um livro de Guimarães Rosa pra ler 😀