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O exemplo que vem das ilhas
Uma crítica recorrente de quem estuda estes assuntos é a de que o poder político pouco ou nada se importa. Por exemplo, tanto Aníbal Costa como Mário Lopes apontam para o decreto-Lei n.º 53/2014 e ficam estupefactos com o artigo 9. Num diploma que visa facilitar a reabilitação urbana, a única referência a sismos aparece ali — e é bastante vaga. “As intervenções em edifícios existentes não podem diminuir as condições de segurança e de salubridade da edificação nem a segurança estrutural e sísmica do edifício”, lê-se.
Para o presidente da SPES, isto “é uma grande irresponsabilidade”, porque este e outros diplomas legais deveriam, na sua opinião, ter medidas concretas e não apenas isto. Mário Lopes também lamenta: “O Estado faz uma grande aposta na investigação, mas depois não aposta na sua aplicação”. As tentativas de impedir a entrada em vigor do decreto foram infrutíferas. “Havia algum receio de que, ao introduzir algumas condicionantes, isto criasse um entrave à economia”, resume o responsável.
Ninguém ligou muito àquilo. As pessoas estão convencidas de que não há risco sísmico no continente. Judite Jorge, ex-deputada do PSD
Judite Jorge, escritora açoriana e ex-deputada do PSD, não consegue não dar uma certa razão aos especialistas. Quando, em 2004, ela e outros deputados apresentaram o projeto de resolução que acabaria por não ir a lado nenhum, sentiu que alguns colegas parlamentares não estavam muito interessados em discutir o tema e que até a olhavam de lado. “Ninguém ligou muito àquilo.
As pessoas estão convencidas de que não há risco sísmico no continente”, afirma agora, já sem qualquer ligação à Assembleia da República. Pelo facto de ser dos Açores, Judite Jorge diz ter uma sensibilidade para o tema que as pessoas do continente não têm.
Frequentemente abalado por sismos e a braços com uma atividade vulcânica ainda relevante, o arquipélago dos Açores teve de aprender a reagir às calamidades. A seguir ao grande terramoto de 1980, que teve graves consequências na Graciosa, em São Jorge e, sobretudo, na Terceira, tornou-se obrigatório que as novas construções e as reabilitações tivessem componentes de resistência sísmica.
E a tendência foi-se mantendo. Quando, em 2002, o Governo Regional decidiu comparticipar a recuperação de “habitações sem condições mínimas de habitabilidade”, uma das principais preocupações foi precisamente a prevenção de terramotos. “Só com um parque consolidado e bem construído se podem evitar os custos humanos, sociais e económicos que ocorrem sempre que se verifica uma catástrofe natural de alguma intensidade”, lê-se no diploma, que mais à frente define a “prevenção antissísmica como linha estratégica de longo prazo” no arquipélago.
Assim, nas ilhas, os trabalhos de reabilitação urbana “deverão integrar medidas antissísmicas elementares, como sejam a consolidação das paredes resistentes, preferencialmente com reboco armado, e a solidificação das alvenarias e coberturas, nomeadamente através da execução de cintas de coroamento e tirantes.” São precauções básicas que, no entanto, ainda não estão especificadas na legislação nacional.
“É uma legislação muito boa. E fiscalizada”, elogia Judite Jorge, que considera “um escândalo” que estas normas açorianas ainda não se apliquem ao continente.
Autores: Vera Novais e João Pedro Pincha
Grafismo: Milton Cappelletti
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O Terramoto de 1755 bem demonstrou que Lisboa está assente sobre placa tectónica muito activa e perigosa. Aproveito a oportunidade para, se for possível, reenviarem o artigo sobre a história de Coimbra, capital de Portugal cerca de 200 anos. Obrigado