Ricardo Araújo Pereira foi fazer rir e acabou a chorar
Ricardo Araújo Pereira foi fazer rir e acabou a chorar. Ele foi o convidado mistério da festa de Natal da Acreditar e acabou por emocionar-se ao reencontrar a criança que um dia, mesmo doente, o definiu com precisão como “o mais parvo”.

Dos humoristas espera-se sempre que façam rir, mas também choram. Ricardo Araújo Pereira foi o “convidado mistério” da festa de Natal da Acreditar (Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro) e emocionou-se quando contava uma história de uma visita que fez há uns anos às instalações do Instituto Português de Oncologia, em Lisboa.

Ricardo Araújo Pereira entrou na festa da Acreditar, a 16 de dezembro, com as piadas do costume, a falar sobre o seu amor ao Benfica, mas depois começou a contar como conheceu uma criança, a Marlene, quando esta lutava contra o cancro. Não conseguiu conter as lágrimas.
[Veja no vídeo o momento em que o humorista se emocionou]
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Quando começa a contar a história, Ricardo apercebe-se que Marlene está na sala. Acaba por subir ao palco e o humorista comoveu-se e a partir dali só falou com a voz embargada. Teve até de ser a Marlene — na altura com 9 anos, mas agora mais crescida — a contar a história.

Na altura, Ricardo tinha chegado junto do vidro e perguntado: “Quem é o mais parvo? Eu ou tu?” E Marlene respondeu de imediato: “O mais parvo és tu, pois claro“.
Um ano depois, numa festa de Natal do IPO, uma criança puxou o casaco de Ricardo Araújo Pereira, que não a reconheceu por ter agora o cabelo comprido. Era Marlene, que disse isso mesmo ao humorista.

Ricardo lembrou-se de imediato do nome e perguntou-lhe de volta: “És tu que achas que eu sou o mais parvo, não é?” No passado mês de Dezembro, voltaram assim a encontrar-se.
“Barnabés”, na nomenclatura da Acreditar, a Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, é o nome dado aos miúdos (alguns já crescidos) que vivem ou viveram uma doença oncológica.
Quem os conhece sabe que são uma trupe de miúdos cúmplices e divertidos. Criam-se grandes amizades que trespassam a impermeabilidade das vidraças das boxes de isolamento hospitalar. Depois, junta-se-lhe a energia palpitante da miudagem que supera a agonia dos químicos e dos tratamentos invasivos. Nascem ali, em internamento ou ambulatório, grandes cumplicidades para toda a vida.
Sábado foi a festa de Natal da Acreditar.
Lá estiveram muitos barnabés, familiares e, claro, vários artistas convidados.
Lá esteve também o Ricardo Araújo Pereira a quem se tinha pedido que utilizasse o palco durante uns minutos para espalhar humor contagiante. Apenas isso. E como ele o sabe fazer.
O Ricardo mal conhecia a Acreditar. Perguntou-me, aparentemente inseguro, atrás do palco, que tipo de pessoas compunham o auditório, se mais crianças ou pais e familiares. Eu disse-lhe “espreite, veja por esta fresta da cortina”. Ele espreitou e disse “ok, já percebi”.
No alinhamento da festa o Ricardo era o “convidado mistério” e o apresentador tratou de encorpar a expectativa da sua entrada em palco, de gerir a suspense e a ansiedade do auditório. O tempo suficiente para o Ricardo me passar para a mão a carteira e o livro que trazia e eu experimentar o meu momento de humor desajeitado, o humor lançado contra o humorista: com a carteira na mão, disse-lhe “Ricardo, demore em palco o tempo que quiser, eu vou ali ao multibanco fazer uns levantamentos!”
Mas o que fiz, claro, foi ir à volta e saltar para uma coxia da plateia ainda a tempo de gravar com o telemóvel a entrada do Ricardo.
O auditório adorou e distribuiu, ora palmas, ora apupos, na relação directa da ambivalência dos afectos, exactamente o que o bom humorista gosta de colher.
Era isso que se pretendia.
Quando senti que o improviso já fazia anunciar a “punch line”, saltei de novo para trás do palco para receber o artista nos bastidores e devolver-lhe o livro e a carteira.
Mas aconteceu então o imprevisto. O momento que a segunda take deste pequeno vídeo aqui retrata; que ainda captei, numa inesperada espreitadela feita a partir da tal fresta, nas costas da acção, o que serviu ao menos para esconder o embaraço das emoções.
O artista até pode ser um bom artista, mas às vezes até a teatralidade da postura em palco pode claudicar face às coisas imprevistas da vida.
Foi bonito.
Toda a gente gostou muito, mas quem mais se emocionou foi o RAP – talvez por ser “o mais parvo”. Assegurou à saída que para o ano irá voltar. E exige – atenção, exige mesmo – que daqui a um ano estejam lá todos. Não admite que ninguém falte.
Há que respeitar o artista.Publicado por Joao Salvado em Quarta-feira, 20 de Dezembro de 2017
O vídeo foi partilhado por João Salvado no Facebook, que agradeceu a disponibilidade do humorista e escreveu que “o artista até pode ser um bom artista, mas às vezes até a teatralidade da postura em palco pode claudicar face às coisas imprevistas da vida.”

E acrescentou: “Foi bonito. Toda a gente gostou muito, mas quem mais se emocionou foi o RAP — talvez por ser “o mais parvo”. Assegurou à saída que para o ano irá voltar. E exige — atenção, exige mesmo — que daqui a um ano estejam lá todos. Não admite que ninguém falte. Há que respeitar o artista.”
Autor: Hugo Amaral
Fonte: Observador
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