Quem não tem uma história com uns Sanjo?
Têm 71 anos e já deram muitas voltas. Agora, os ténis portugueses querem tornar-se ícones de moda, sem esquecer a memória que atravessa gerações. Afinal, quem é que não tem uma história com uns Sanjo?
“É difícil encontrar alguém que não tenha uma história com uns Sanjo”, afirma Paulo Fernandes, o homem que em 1997 comprou a marca de ténis portuguesa em hasta pública, depois desta ter sido declarada insolvente. Por quanto? O administrador prefere manter em segredo. A Sanjo pode ter nascido bem mais lá para trás, mas é no final dos anos 90 que esta história, a de Paulo, começa.
O empresário já estava no ramo do calçado e andava com vontade de criar uma marca de ténis. “Soube através de amigos que a Sanjo estava à venda. Na verdade, o que comprei foi a patente, a fábrica tinha sido desmantelada em 1994, não havia máquinas, moldes, nem modelos antigos”, conta.
O nome estava garantido, mas grande parte do trabalho continuava por fazer. Foi preciso pôr pés a caminho e correr as pequenas sapatarias de aldeias e vilas. Nos stocks bafientos, encontrou o arquivo que nunca chegou a conhecer.
Comprou todos os ténis antigos que apanhou, dos clássicos K100 e K200 brancos e pretos às variações de cor que os anos 70 e 80 exigiram, ao mesmo tempo que as histórias, fotografias e antigos cartazes e anúncios começaram a vir parar-lhe às mãos. Alterar o design dos Sanjo nunca foi o objetivo, mas sim voltar a produzi-los tal e qual como Portugal os calçou durante décadas a fio.
São João da Madeira a todo o vapor
Sabia que os ténis Sanjo eram feitos numa fábrica de chapéus? Em 1936, a Empresa Industrial de Chapelaria ( dos meus proprietários da Oliva) criou a primeira marca portuguesa de ténis batizando-a em homenagem à terra onde eram feitos, São João da Madeira.
Esta foi a década em que o desuso do chapéu no quotidiano começou a ameaçar o negócio, daí que a empresa tenha procurado novos produtos e matérias-primas, como foi o caso da borracha. Com ela fizeram-se as solas dos Sanjo, mas também saltos e massas de recauchutagem.
O mesmo aconteceu com a palha, que a partir do mesmo ano deu origem a novos modelos de chapéus. Eram vendidos em Portugal e exportados sobretudo para a Suíça.

Nos anos 40 e 50, enquanto a fábrica de chapéus continuava a explorar outros segmentos, os Sanjo já eram um fenómeno. O Estado Novo e as suas leis protecionistas impediam que se importassem bens produzidos no país, por isso, mais do que os ténis da moda, os Sanjo tornaram-se uma espécie de farda.
Do ultramar aos atletas de várias modalidades desportivas, todos calçavam o mesmo e apenas com duas variações possíveis: ou os ténis todos brancos ou os brancos e pretos.
Escusado será dizer que a Associação Desportiva Sanjoanense estava em vantagem, sobretudo a equipa de basquetebol, que chegou a usar pares de ténis como moeda de troca nas transações de jogadores. Foi a era dourada da Sanjo. Os ténis eram tão indispensáveis aos militares como às aulas de ginástica nas escolas.
Paulo Fernandes, hoje com 42 anos, chegou mesmo a encontrar o nome Sanjo em listas de material escolar já nos anos 80. Um outro documento, este de 1978, faz referência a uma encomenda de 1355 pares para o Instituto dos Pupilos do Exército. Nas primeiras décadas, a fábrica chegou a contar com 500 operários a trabalhar em três turnos e a produzir uma médias de 2500 pares por dia.
Ainda assim, comprar uns nem sempre foi fácil. A marca não tinha concorrência e não conseguia produzir ao ritmo da procura. Resultado? Meses de espera para conseguir ter um par e, em alguns casos, também de poupança, no caso das famílias menos afortunadas.



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