Porto: a ponte Pênsil D. Maria II
Durante 45 anos serviu de ligação entre Porto e Gaia e ainda hoje é possível ver alguns dos seus vestígios. Falamos da Ponte Pênsil D. Maria II.
A fragilidade da ponte de barcas, agudizada pelo trágico desastre de 1809, e as necessidades impostas pelo crescente tráfego entre as margens ribeirinhas do Porto e Gaia pressionaram a construção duma nova ponte na Ribeira, um dos pontos nevrálgicos do comércio e de negócios no Porto oitocentista.
Pensou-se então em construir uma travessia que, além de permitir um trânsito fácil e sem interrupções entre a duas margens, não interferisse com a navegação fluvial, como acontecia com as anteriores pontes de barcas, que tinham de ser frequentemente desmanchadas para dar passagem aos barcos, ou cujas amarras muitas vezes provocavam naufrágios.
Nasceu assim o projeto da ponte pênsil, a primeira obra permanente que foi construída sobre o Douro, em território nacional. Para as possibilidades técnicas do tempo, não era fácil, até porque era preciso ter em conta a largura do rio (nunca inferior a 150 metros, mesmo nos pontos mais apertados na zona da Ribeira, onde a ponte era mais necessária).
A sua construção foi adjudicada por lei de 7 de abril de 1837. Escolhido o local (entre os Guindais do lado do Porto, e o sítio do Penedo, em Gaia) e o tipo de ponte a construir (foram consideradas três hipóteses: de vigas, de arcos e de cabos, optando-se por este último, por ser o mais viável para o tempo e para o local), foi incumbido do projeto o engenheiro francês Estanislau Bigot, auxiliado pelo engenheiro Mellet, também francês.
As obras iniciaram-se em 2 de maio de 1841, para assinalar o aniversário da coroação de D. Maria II, com o nome da qual a nova ponte foi oficialmente batizada, embora ficasse para sempre na memória do povo como Ponte Pênsil.
A estrutura principal da ponte, considerada uma maravilha para a época, era constituída por oito cabos de fio de ferro (dispostos paralelamente em dois grupos de quatro); cada cabo era formado por 400 fios de ferro de 3,2 mm de diâmetro, trefilados em França.
O vão da ponte era sustentado por esses oito cabos, que se apoiavam em quatro pilares de cantaria (dois em cada margem), de 15 metros de altura e rematados por capitéis clóricos, coroados por esferas de cobre bronzeado.
Os cabos passavam por janelas abertas nas torres-pilares, abaixo dos capitéis, nas faces paralelas ao rio, e desciam depois aos poços de atracação, abertos na rocha (os do lado do Porto) e construídos solidamente de alvenaria (os de Gaia), sendo depois ligados, em cada uma das extremidades, a outros cabos (as amarras) que serviam para a ancoragem; cada cabo era ligado a um conjunto de duas amarras, 32 no total.
Desses cabos desciam as alças (108 do lado nascente e 103 a poente), constituídas por 32 fios também de ferro, que sustentavam as vigas transversais, em madeira de castanho, espaçadas de 1,5 metros, sobre as quais assentava o pavimento, também de madeira (mas de pinheiro do norte, importado da Suécia).
Cada cabo pesava seis toneladas e a ponte media 170,14 metros, tendo o vão do tabuleiro sobre o rio 150 metros de comprimento e seis de largura, incluindo os passeios laterais de um metro cada um. As guardas da ponte, também de madeira, eram constituídas por prumos em correspondência com os cabos das alças de suspensão, contraventados por cruzes de Santo André e pelo corrimão.
Entre os pilares dum e doutro lado da ponte estava incorporada uma casa com dois pavimentos, abrindo o inferior diretamente para a ponte através de três portas e dando o superior para uma varanda corrida, com resguardo de fero forjado.
Na casa do lado do Porto, estava instalado o guarda militar que tinha a seu cargo vigiar pela ordem e regulamento da ponte, encarregando-se também de cobrar as respetivas portagens (iguais às que se pagava na ponte de barcas): 5 reis cada pessoa a pé, 20 por cada cavalo e 40 por um carro com uma junta de bois, havendo um acréscimo de 20 reis por cada junta a mais; cada cadeirinha de mãos pagava 60 reis, uma liteira 120 e uma sege 160, pagando 200, se fosse de quatro rodas.
Todos estes preços duplicavam à noite, passados três quartos de hora depois do sol posto (porque era preciso pagar as despesas da iluminação da ponte), voltando às taxas normais três quartos de hora antes do nascer do sol. No piso superior da casa, estava instalado uma espécie de salva-vidas com tudo o necessário para socorrer náufragos ou vítimas de acidentes.
A construção da ponte foi entregue à firma britânica «Claranges Lucotte e C.a (a mesma que estava a construir a estrada Lisboa-Porto, por contrato assinado em 1837) e foi fiscalizada pelo engenheiro português José Vitorino Damásio.
Foi construída em 21 meses, abrindo ao trânsito em 17 de fevereiro de 1843, sem festejos, porque a sua abertura foi antecipada à pressa, devido a uma inesperada cheia do rio, que obrigou a desmantelar a ponte de barcas.
Em 3 de Janeiro de 1843, foi feita a primeira experiência de carga, que consistiu em alinhar ao longo do pavimento 103 pipas cheias de água e em sobrepor nos passeios laterais rimas de vigas e traves de madeira, com um peso total de 106.770 Kg.
Dois dias depois, foi a vez de as autoridades se associarem aos testes, com a ponte devidamente ornamentada e sob os acordes da banda do Regimento de Infantaria 6 que, em marcha dobrada e precedida de inúmeras pessoas, atravessou várias vezes a ponte.
Durante 35 anos, a firma construtora usufruiu do rendimento das portagens, caducando esta concessão em 1878, passando então para o Estado. A Ponte Pênsil manteve-se ao serviço apenas durante 44 anos.
A partir de 1879, dado o estado ruinoso em que já se encontrava, foi decidido construir uma nova ponte, que ficou concluída em 1886 e substituiu definitivamente a Ponte D. Maria II, a partir desse ano.
Em 12 de Outubro iniciaram-se os trabalhos de demolição da ponte pênsil, restando hoje dessa elegante estrutura apenas os dois pilares em que se apoiavam os cabos que sustentavam o vão da ponte e os restos da casa do guarda, do lado do Porto, junto da monumental ponte metálica erguida há mais de cem anos bem ao lado da anterior travessia.
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A minha dúvida é se esta ponte era apenas pedonal ou servia o trânsito de carruagens, etc. Isto porque na entrada da ponte, do lado do Porto, verificam-se três ‘portas’ estreitas por onde não deveriam passar os veículos de grandes dimensões. Alguém me pode esclarecer? Obrigado.