O padre português que salvou judeus
Aristides de Sousa Mendes, Oskar Schindler ou Irene Sendler. Três nomes que mudaram a história de muitos sobreviventes à perseguição nazi, durante o regime do III Reich e a Segunda Guerra Mundial. Joaquim Carreira é outro destes heróis, um padre português, nascido em 1908 perto de Fátima e que a partir de Roma, e por meio do Pontifício Colégio Português, salvou centenas de judeus e antifascistas. Foi 70 anos após o final da Guerra que o Padre Carreira foi reconhecido como “Justo entre as Nações” pelo Memorial do Holocausto de Jerusalém.
Durante a Segunda Guerra Mundial, em plena ocupação nazi de Roma, um padre português acolheu 50 refugiados num colégio e ajudou a encontrar abrigo para mais de cem mulheres e crianças. O feito, com risco da própria vida, valeu-lhe o título de «Justo entre as Nações», o mesmo que Aristides de Sousa Mendes recebeu do Estado de Israel. Apenas dois destes homens que foram salvos ainda estão vivos. E um deles conta, pela primeira vez, a sua história.

Nessa altura, muitos colégios e casas religiosas serviram de refúgio para judeus, antifascistas e outros perseguidos. Foi aqui, no Colégio Pontifício Português de Roma, que o padre acolheu os refugiados.
Luigi Priolo recorda-se bem das razões que levaram a mãe a enviá-lo para o Colégio Pontifício Português de Roma, no final de 1943. Vivendo em Reggio Calabria (a cidade mais a sul, na «bota» do mapa italiano), mulher de um dirigente socialista local, Gina Priolo queria proteger o filho de uma incorporação militar nas tropas fascistas – ou mesmo, da sua prisão – se o apelido o denunciasse. Já para não falar no perigo dos bombardeamentos dos Aliados.

Luigi Priolo foi um dos refugiados do Colégio Português. «O padre Carreira arriscou muito» recorda.
«Se me mandassem parar, assim que vissem o meu apelido, não seria poupado e poderia ser preso ou incorporado», diz Luigi mais de setenta anos depois, agora a viver em Roma.
O pai, advogado, seria nomeado pelos Aliados como sindaco (presidente do município) de Reggio Calabria no final de 1943, após a libertação da cidade. Foi depois escolhido para governador da região, antes de ser deputado e governante.

Em 1961, o padre Joaquim Carreira presidiu ao casamento de Luigi Priolo.
Através de uma freira de quem era amiga, Gina conseguiu que o filho fosse para o Colégio Português sob a proteção do padre Joaquim Carreira, reitor da instituição onde ficam alojados os padres portugueses a estudar na capital italiana. «Fui salvo pelo padre Carreira», diz Luigi.
Ele foi um dos cerca de cinquenta refugiados que, naqueles meses, até à libertação de Roma, a 4 de junho de 1944, procuraram a proteção do padre português. Entre eles estiveram alguns judeus.

Luigi Priolo atualmente, junto do edifício do colégio onde foi acolhido.
A investigação sobre os factos então ocorridos e o testemunho de Elio Cittone, um judeu que esteve refugiado no colégio e vive ainda perto de Milão, valeram a Joaquim Carreira o título de «Justo entre as Nações», atribuído pelo Yad Vashem, o Memorial do Holocausto, de Jerusalém (a história sobre os factos foi publicada no Público a 23 de dezembro de 2012). A medalha foi entregue a 15 de abril de 2015, em Lisboa, à família de Carreira.

Elio Cittone também foi acolhido por Joaquim Carreira. Tinha 16 anos quando entrou no colégio. Hoje tem 88.
Além de Cittone, Priolo será o único refugiado ainda vivo que esteve no Colégio (todos os outros eram mais velhos e já adultos). Mas, ao contrário do judeu italiano, que nunca mais se cruzou com Joaquim Carreira, Luigi Priolo voltou a procura-lo por achar que tinha uma dívida de gratidão para com o português.
(cont.)