Os 10 poemas mais bonitos sobre Lisboa
1. Lisboa
“Lisboa, sabes…”
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus e degraus até ao rio.Eu sei. E tu, sabias?
Eugénio de Andrade, in Até Amanhã, 1956
Sophia de Mello Breyner Andresen (1977), in Obra Poética, 2011
3. E de novo, Lisboa, te remancho,
de viés: esvaído, o boi no gancho,
ou o outro vermelho que te molha.Sangue na serradura ou na calçada,
que mais faz se é de homem ou de boi?
O sangue é sempre uma papoila errada,
cerceado do coração que foi.Groselha, na esplanada, bebe a velha,
e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue é vida; mas que vida?Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?
Alexandre O’Neill, in De Ombro na Ombreira, 1969
Em cada esquina te vejo
Esta é a cidade que tem
Teu nome escrito no cais
A cidade onde desenho
Teu rosto com sol e Tejo
Caravelas te perderam
Nas manhãs da tua ausência
Tão perto de mim tão longe
Tão fora de seres presente
Como quem não volta mais
Tão dentro de mim tão que
Nunca ninguém por ninguém
Em cada dia regressas
Em cada dia te vais.Em cada rua me foges
Em cada rua te vejo
Tão doente da viagem
Teu rosto de sol e Tejo
Esta é a cidade onde moras
Como quem está de passagem
Às vezes pergunto quem
Esta é a cidade onde estás
Com quem nunca mais vem
Tão longe de mim tão perto
Ninguém assim por ninguém
Manuel Alegre, in Babilónia, 1983
5. O Terceiro Corvo
Oh Lisboa
como eu gostava de ser
o terceiro corvo do teu emblema…
estar implícita na tua bandeira
negra e branca
como tinta e papel
como escrita e espaço!
Ser teu desenho
tua nova lenda
invenção deste século
que já não inventa
e se interroga:
donde vieram estes corvos?
Como tu, Vicente,
eu também não sou de cá
não sou daqui
não pertenço a esta terra
e talvez nem sequer a este mundo…
Porém estou aqui
nesta dolorosa praia lusitana
cheia de um tumulto inútil
que enegrece as tuas areias
e polui o ventre do rio
que os golfinhos há muito desertaram
E olhando as nuvens dedilhadas pelo vento
sentindo a terna dor do teu sentir sentido
peço-te, Lisboa:
surge de novo bela
reinventa
a santidade perdida do teu emblema
Ana Hatherly, in Em Lisboa sobre o mar, Poesia 2001-2010
6. Aos jacarandás de Lisboa
Eugénio de Andrade, in Os Sulcos da Sede, 2001
7. Lisboa
Cidade branca
semeada
de pedras
Cidade azul
semeada
de céu
Cidade negra
como um beco
Cidade desabitada
como um armazém
Cidade lilás
semeada
de jacarandás
Cidade dourada
semeada
de igrejas
Cidade prateada
semeada
de Tejo
Cidade que se degrada
cidade que acaba.
Adília Lopes, in Poemas Novos, 2006
8. Lisboa com suas casas
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores,
Lisboa com suas casas
De várias cores…
À força de diferente, isto é monótono.
Como à força de sentir, fico só a pensar.
Se, de noite, deitado mas desperto,
Na lucidez inútil de não poder dormir,
Quero imaginar qualquer coisa
E surge sempre outra (porque há sono,
E, porque há sono, um bocado de sonho),
Quero alongar a vista com que imagino
Por grandes palmares fantásticos.
Mas não vejo mais,
Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,
Que Lisboa com suas casas
De várias cores.
Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.
À força de monótono, é diferente.
E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.
Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), in Poesias de Álvaro de Campos, 1934
9. Tejo
Aqui e além em Lisboa – quando vamos
Com pressa ou distraídos pelas ruas
Ao virar da esquina de súbito avistamos
Irisado o Tejo:
Então se tornam
Leve o nosso corpo e a alma alada
Sophia de Mello Breyner Andresen (1994), in Obra Poética, 2011
10. À Lisboa das naus cheias de glória
Lisboa à beira-mar, cheia de vistas,
Ó Lisboa das meigas Procissões!
Ó Lisboa de Irmãs e de fadistas!
Ó Lisboa dos líricos pregões…
Lisboa com o Tejo das Conquistas,
Mais os ossos prováveis de Camões!
Ó Lisboa de mármore, Lisboa!
Quem nunca te viu, não viu coisa boa…
Ai canta, canta ao luar, minha guitarra,
A Lisboa dos Poetas Cavaleiros!
Galeras doidas por soltar a amarra,
Cidades de morenos marinheiros,
Com navios entrando e saindo a barra
De proa para países estrangeiros!
Uns pra França, acenando Adeus! Adeus!
Outros pras Índias, outros… sabe-o Deus!
Ó Lisboa das ruas misteriosas!
Da Triste Feia, de João de Deus,
Beco da Índia, Rua das Fermosas,
Beco do Fala-Só (os versos meus…)
E outra rua que eu sei de duas Rosas,
Beco do Imaginário, dos Judeus,
Travessa (julgo eu) das Isabéis,
E outras mais que eu ignoro e vós sabeis.
(…)
António Nobre, in Despedidas: 1895-1899, 1902