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Contudo, a decisão não recolheu consenso no Conselho de Estado, que alertou para a fuga de capitais do país. Pretendendo reter os judeus em Portugal, o rei ordenou então que aqueles que se convertessem ao cristianismo poderiam permanecer no país. E agendou um prazo para os batismo: a Páscoa de 1497.
Uma das duas únicas gravuras sobreviventes ao Terramoto de Lisboa 1755 e ao incêndio da Torre do Tombo: “Da Contenda Cristã, que recentemente teve lugar em Lisboa, capital de Portugal, entre cristãos e cristãos-novos ou judeus, por causa do Deus Crucificado”
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Denominado “Que os Judeus e Mouros forros se saiam destes Reinos e não morem, nem estejam neles”, o édito de 5 de Dezembro decretava o seguinte:
“… sendo Nós muito certo, que os Judeus e Mouros obstinados no ódio da Nossa Santa Fé Católica de Cristo Nosso Senhor, que por sua morte nos remiu, têm cometido, e continuadamente contra ele cometem grandes males, e blasfémias em estes Nossos Reinos, as quais não tão somente a eles, que são filhos de maldição, enquanto na dureza de seus corações estiverem, são causa de mais condenação, mais ainda a muitos Cristãos fazem apartar da verdadeira carreira, que é a Santa Fé Católica; por estas, e outras mui grandes e necessárias razões, que Nos a isto movem, que a todo o Cristão são notórias e manifestas, havida madura deliberação com os do Nosso Conselho, e Letrados, Determinamos, e Mandamos, que da publicação desta Nossa Lei, e Determinação até por todo o mês de Outubro do ano do Nascimento de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e sete, todos os Judeus, e Mouros forros, que em Nossos Reinos houver, saiam fora deles, sob pena de morte natural, e perder as fazendas, para quem os acusar.”
A conversão forçada começou com uma medida trágica. Na Páscoa de 1497, D. Manuel I mandou que os judeus menores de 14 anos fossem entregues a famílias cristãs de várias vilas e cidades do país. Pouco depois, a ordem estendeu-se aos jovens com 20 anos. E os resultados foram horríveis. Muitos pais mataram os seus filhos, degolando-os ou lançando-os em poços e rios, contou Damião de Góis. A perseguição não ficou por aqui.
O monarca restringiu ainda o número de portos de embarque para aqueles que queriam sair do reino, obrigando-os a concentrarem-se na capital. Segundo Jorge Martins, cerca de 20 mil pessoas, oriundas de várias zonas, foram encaminhadas para o Palácio dos Estaus (futura sede da Inquisição, localizada onde é hoje o Teatro Nacional D. Maria II), ali permanecendo, sem comer e sem beber, até ao momento do embarque. A ideia de aprisioná-los nos Estaus tinha um motivo.
Enquanto aguardavam pela partida para o estrangeiro, foram visitados por dois judeus conversos, Nicolau, médico, e Pedro de Castro, eclesiástico em Vila Real. Os dois homens tinham uma missão: persuadir os judeus a converterem-se ao cristianismo. Muitos acabaram por ser levados para as igrejas da Baixa e batizados contra a sua vontade; outros conseguiram fugir e suicidaram-se, atirando-se a cisternas e a poços.
Aqueles que, não tendo sido batizados, ficaram no país, já como escravos do rei, apresentaram uma proposta a D. Manuel I. Aceitavam a conversão, mas pediam algo em troca: a restituição dos seus filhos; e a garantia de que o rei não ordenaria qualquer inquérito sobre as suas práticas religiosas num período de 20 anos.
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