Nomes da nossa terra
Veja-se a cena num chá-dançante em que um rapaz pergunta «E a menina, de onde é?», e a menina diz: «Eu sou da Fonte da Rata». Nomes da nossa terra.

[…] Um dos mais notáveis documentos da nossa cultura é o [Novo] Dicionário Corográfico de Portugal, de A. C. Amaral Frazão. Contém cerca de mil nomes de lugares, aldeias, vilas e cidades portuguesas. Ao ler os nomes de alguns sítios, (…) compreende-se logo que o trauma de viver na Damaia ou na Reboleira não é nada comparado com certos nomes portugueses. Imagine-se o impacto de dizer «Eu sou da Margalha» (Gavião) no meio de um jantar. Veja-se a cena num chá-dançante em que um rapaz pergunta delicadamente «E a menina, de onde é?», e a menina diz: «Eu sou da Fonte da Rata» (Espinho). […]

É evidente que, na nossa cultura, existe o trauma de «terra». Ninguém é do Porto ou de Lisboa. Toda a gente é de outra terra qualquer. Geralmente, como veremos, a nossa terra tem um nome profundamente embaraçante, daqueles que fazem apetecer rir. […]
Apresente-se no aeroporto com o cartão de desembarque a denunciá-lo como originário de Filha Boa (Torres Vedras). Verá que não é bem atendido. […]

Não há limites. Há um lugar chamado Cabrão, no concelho de Ponte de Lima. […]

Há terras com nomes que parecem títulos de livros de Eugénio de Andrade, como Ferido de Água (concelho de Paredes). Há saldos de todas as espécies. Toda a gente conhece o Vale das Pegas (Albufeira) e a Venda das Raparigas (Alcobaça), mas há lugares mais especializados como a Venda da Luísa (Condeixa-a-Nova) e ainda lugares lamentavelmente racistas, como seja a infame Venda dos Pretos, em Leiria.
Com nomes destes, nunca iremos a lado nenhum. […]

Começo assim para não começar a falar logo em Picha […] vergonha eterna da freguesia e concelho de Pedrógão Grande.
[…] Picha tem as casas mais baratas do país, só porque os potenciais residentes são incapazes de enfrentar uma morada tão rasca. Não é um nome que torne distinto um cartão de visita. […]
Se fosse um caso isolado, passaria, mas infelizmente não é. […] De facto, para além de Picha, Portugal conta igualmente com dois lugarejos denominados Venda da Gaita. Uma fica em Almoster e outra em Tomar, e isto não pode continuar assim.

Recomecemos a nossa viagem pela nossa terra. Que dizer de um país onde é possível ir de Cabeça Perdida (em Portimão) para a Cornalheira (em Meda)?
Devia haver uma Comissão para a Decência Onomástica, que tratasse nomes como Casal do Corta-Rabos (Alcobaça), Mal Lavado (Odemira), Casal da Porcaria (Leiria) e Ripanço (Proença-a-Nova) como problemas. Porque são problemas. […] Qual o construtor civil que se sente tentado a empreender a construção de novos fogos em lugares chamados São Paio da Farinha Podre (Penacova), Casal do Esborrachado (Almeirim), Triste Feia (Leiria), Parola (Mafra) ou Farta-Vacas (Lagos)? […]

[…] No capítulo da ciência, há nomes que fazem sorrir. Mesmo assim, para quem mora neles, devem ser muito maçadores. Há em Chaves um Raio-X e, como se não bastasse, um Entroncamento do Raio-X. Em Alcobaça, em contrapartida, há uma (mais portuguesa) Engenhoca. Continua com Telégrafo (em Tomar) e Arquitecto (em Mafra). Em Grândola, há uma Aldeia do Futuro. Em que outro país europeu é possível sair um dia de automóvel e fazer o trajecto Raio-X, Engenhoca, Telégrafo, Arquitecto, Aldeia do Futuro??!!

Também deve ser difícil arranjar outro país onde se possa fazer um percurso que vá da Fome Aguda [Odemira] à Carne Assada (Sintra) passando pelo Corte Pão e Água (Mértola), sem passar por Poriço (Vila Verde), e acabando a comprar rebuçados em Bombom do Bogadouro (Amarante), depois de ter parado para fazer um chichi em Alçaperna (Lousã). […]
E basta!
Autor: Miguel Esteve Cardoso
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