Menino Jesus da Cartolinha: o Guardião dos Mirandeses
Já que o presente texto fala de uma particular representação de Jesus em Miranda do Douro, podemos substituir a denominação portuguesa Jesus da Cartolinha pela sua versão mirandesa: Nino Jasus de la Cartolica.
Este inverosímil objecto encontra-se dentro da muito ‘espanholizada’ Sé de Miranda do Douro e vai buscar o nome à cartola que enverga no tecto da sua cabeça.
A cartola, contudo, é dos elementos mais recentes a adornar este vaidoso Jesus mirandês.
Sabemo-lo porque à data da sua criação – inícios do século XVIII, provavelmente – ainda não havia cartolas. E por isso mais vale começar tudo isto de uma data mais antiga.
A lenda que ajudou à criação do menino pode vir de dois lados: da Guerra da Restauração ou da Guerra da Sucessão. Investigadores chegam-se mais para o segundo caso do que para o primeiro.
Mas seja qual for a versão mais próxima da verdade, ambas coincidem numa coisa: um cerco à povoação de Miranda do Douro por parte do exército castelhano.
O povo mirandês, vendo-se a par com outra guerra motivada pelo cerco – a da fome -, estava prestes a desistir e entregar-se ao inimigo.
Apareceu então, não se sabe de onde, um pequeno rapaz, vestido de cavaleiro aristocrata, que mobilizou a população e a liderou numa investida contra o invasor, que acabou por expulsar.
Contava-se que o menino, em combate, ora aparecia, ora desaparecia, e no fim, depois de ganha a batalha, desapareceu de vez.
Pouco foi preciso para que as gentes de Miranda explicassem a presença do rapaz como uma ajuda Divina, criando-se assim a ideia de um Jesus-soldado ou Jesus-cavaleiro na consciência popular.
E o próximo passo foi então criar uma pequena estatueta que o representasse, vestindo-o como o viram em combate – de jovem pertencente à fidalguia.
Ficou assim um protector divino de Miranda do Douro, uma espécie de berrão da terra, como acontece noutras povoações nortenhas, sendo o mais conhecido a porca, de Porca de Murça.
Desde aí, o Menino Jesus da Cartolinha virou símbolo de Miranda, e o povo começou a oferecer-lhe roupas, muitas das quais são mesmo usadas para o cobrir.
Até que um dia alguém se lembrou de dar um toque capitalista a este Jesus, acrescentando-lhe uma cartola, adereço muito usado por uma classe social que emergia nos finais do oitocentistas ou inícios novecentistas, uma nova burguesia, ligada à indústria e não à aristocracia.
Acompanhar a mudança de look do menino pode ser um excelente modelo para a compreensão da evolução histórica dos trajes em Portugal.
A devoção é tal que junto ao dia de Reis lhe é feita homenagem, com direito a procissão, e não deixa de ser um curioso apontamento de simetria saber que quem carrega o menino são outros meninos mirandeses.
Hoje, habitualmente, encontramo-lo revestido com o vestuário adequado às cores representativas de cada fase do calendário litúrgico – seja branco, roxo, verde, vermelho ou rosa.
Nos meses de frio, é também frequente aquecerem-no com a capa mirandesa, que é como sai à rua durante a procissão que se realiza no Inverno.
Mas há mais, e no seu armário podemos encontrar desde aconchegos que mirandesas caridosamente lhe trazem até às fardas da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública que um Ministro português uma vez lhe ofertou.
É de visitar várias vezes, porque ele nem sempre está igual à última visita que lá se fez. E se houver excessos de roupa no armário de casa, entreguem-se ao Menino Jesus da Cartolinha, que um dia poderão ter o gozo de o ver com elas na pele.
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Fonte: portugalnummapa
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