Macau e a Gruta de Camões
A história de Luís de Camões tem mais dúvidas que respostas. Não há documentos, não há registos, não há quase nada. O que há são quase só restos de especulações sem outro fundamento a não ser a imaginação, ou suposição, de quem primeiro as criou.
A história da Gruta de Camões, em Macau, poderá ser ou não verdadeira, mas não deixa de ser uma história fascinante. E ela conduz-nos, primeiramente, a um jardim…
Jardim Luís de Camões
O Jardim Luís de Camões foi antigamente a residência de Lourenço Marques, um abastado comerciante português.
Da entrada do jardim avista-se uma escadaria que conduz a uma fonte central, no meio da qual foi erigida uma escultura de bronze de 6 metros, intitulada “Abraço”, inaugurada em 1996 para comemorar os laços de amizade entre a China e Portugal.
Os vários carreiros no interior do jardim estão ladeados por árvores seculares, com as suas raízes aéreas penduradas como cortinas. Ao fundo do corredor de entrada situa-se uma escadaria à esquerda e um lanço de escadas para a direita que conduz a vários caminhos colina acima.
Ao longo do jardim, os carreiros sinuosos e ondulantes unem-se e separam-se no meio do verde luxuriante e das formações rochosas, mas há um especial que leva à Gruta de Camões, talvez o local mais interessante do recinto, onde se pode apreciar um busto em bronze do famoso poeta português Luís de Camões.
Há quem defenda que ele terá escrito parte da sua epopeia “Os Lusíadas” nesta gruta. Para celebrar este grande poeta, as gerações seguintes colocaram o seu busto no local, para ser venerado pelos visitantes e relembrar a vida que ele levou.
A gruta é formada por três rochedos, um disposto horizontalmente sobre os outros dois, dando um toque de simplicidade natural.
Lenda da Gruta de Camões
O poeta Luís de Camões vivia em Macau numa espécie de desterro, provocado por invejas e inimizades em Portugal. As intrigas obrigaram-no também a deixar aquela terra, tendo embarcado como prisioneiro na famosa Nau de Prata, nos finais de 1557.
Luís de Camões despediu-se da famosa gruta de Patane, em Macau, que tinha escutado o eco dos seus sonhos e do seu desespero, e apresentou-se ao capitão da Nau de Prata. Interrogado sobre o papel enrolado que levava na mão, Camões respondeu que era toda a sua fortuna e que talvez fosse aquela a sua herança para todos os Portugueses.
Tratava-se da epopeia Os Lusíadas que contava a história do seu povo e que, segundo a lenda, terá sido escrita naquela gruta. Escritos com toda a alma e toda a saudade de português, injustamente privado da pátria, aqueles versos eram o maior de todos os seus tesouros e os únicos companheiros do seu infortúnio.
Da amurada da nau, estava Camões a despedir-se da gruta, quando ouviu uma voz de mulher que o interrogava sobre a sua tristeza. Era uma nativa de Patane, que o conhecia, e em quem ele nunca tinha reparado, apesar da sua extrema beleza.
Tin-Nam-Men era o nome da nativa que, na sua língua, significava Porta da Terra do Sul – a Porta do Paraíso. Tin-Nam-Men tinha observado Camões, durante muito tempo, sem nunca se atrever a falar-lhe até àquele dia. Perdidamente apaixonada por Camões, tinha-o seguido até ao barco.
Partindo com o poeta, conta a lenda que, na Nau de Prata, nasceu mais uma relação amorosa na vida já tão romanesca de Luís de Camões, até ao trágico dia em que uma tempestade irrompeu nos mares do Sul.
Como a Nau de Prata estava condenada a afundar-se, embarcaram as mulheres num batel e os homens salvaram-se a nado. Camões, de braço no ar, segurando Os Lusíadas, nadou até terra, mas o barco onde seguia a linda Tin-Nam-Men foi engolido pelas ondas.
Foi à bela Dinamene, como o poeta lhe chamou, que Camões terá dedicado os seus belos sonetos “Alma minha gentil, que te partiste…” e também “Ah! Minha Dinamene! Assim deixaste”.
Venceslau Morais
O escritor e militar da Marinha Portuguesa, Venceslau José de Sousa de Morais, nasceu em Lisboa a 30 de Maio de 1854. Após ter frequentado a Escola Naval, serviu a bordo de diversos navios da Marinha de Guerra Portuguesa e em 1885, viaja pela primeira vez até Macau, deixando-nos estas belíssimas palavras sobre a Gruta de Camões:
«Pedras amontoadas sobre pedras, constituindo um pequeno outeiro eriçado de arestas musgosas; abraçando-se ao granito, estendendo as raízes por entre os negros mamelões, soberbas árvores seculares; tal é o que em Macau se chama a Gruta de Camões, e o já de longe se destaca, na aridez quase uniforme da costa, como um grande ramalhete de verdura.
O jardim da Gruta de Camões é um do sítios mais aprazíveis do nosso pequenino domínio do Extremo-Oriente; ao prestígio da sua velha lenda reúne o encanto natural da posição culminante, dos horizontes vastos, da vegetação que aqui encontra asilo, aconchegada com a s rochas contra a fúria inclemente dos tufões.
Dizem, não sei com que fundamentos históricos, que aqui, sobre estas trilhas sinuosas que circundam os penedos, passeou por longas horas a sua melancolia de boémio um pobre procurador dos defuntos e ausentes, ou coisa que o valha, que se chamou Camões.
Acrescentam até que, durante as calmas sufocantes do estio, fugindo sorrateiramente com fastios de mandrião ao desempenho rigorosos do seu empregozinho reles, ele procurava de preferência a sombra fresca de umas três pedras grandes, dispostas naturalmente em forma de gruta…(…)
Comemorando o facto, cá está hoje, à entrada da gruta, um bustozinho barato do poeta; pendem festões floridos, que a mão do jardineiro china muito intencionalmente entrelaça, como se estivesse arrebicando algum buda de pagode; e não faltam, sobre lages próximas, sonetos mal feitos, escritos em todas as línguas….(…)
… O que se impõe ao nosso espírito, é a grandeza desta mesma vegetação rude e espontânea, que espadana cheia de seiva zombando da tesoira dos serviçais; é a face limosa das pedras abruptas, chorando pelas fendas pequenas gotas de água, como lágrimas de saudade; é a solidão das áleas sombreadas, que o acesso pedregoso torna pouco apetecíveis aos passeantes; é o encanto dos panoramas»
Venceslau de Morais – A Gruta de Camões – Macau, Imprensa Nacional, 1940, pp. 9-12
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