Ao longo do tempo que marca a história do nosso país, muitas pessoas conseguiram feitos importantes que contribuíram para o nosso desenvolvimento. Ao longo dos quase 900 anos de história de Portugal, vários portugueses alcançaram feitos inéditos que os destacaram entre os demais e fizeram com que tivessem o seu lugar assegurado nos manuais da história do nosso país.
No entanto, muitas mais pessoas realizaram feitos que as distinguiram no seu tempo, mas acabaram por ser esquecidas. Apesar da fama obtida noutras eras, o tempo fez com que fossem praticamente ignoradas. É o caso de Luciano das ratas. Já ouviu falar neste homem? Conheça a história de uma pessoa que teve uma função estranha…
Luciano das ratas é uma figura insólita. O nascimento de Luciano Moreira aconteceu no dia 29 de dezembro de 1859. Ele era proveniente de um dos bairros históricos mais emblemáticos da cidade Invicta, o de Cedofeita.

Luciano era filho de António Miguel, um ex-soldado de Valpaços, e de Ana Margarida, de Guimarães, uma mulher de profissão doméstica. Quando ainda era menor, Luciano fugiu ao domínio paterno.
Ele arranjou trabalho num paquete. Por isso, antes de se radicar em Lisboa, na freguesia da Ajuda, Luciano correu mundo e viveu várias experiências. Na capital, viveu com Amélia da Conceição, uma jovem mais nova 15 anos. Luciano casou-se com ela em 1894, ficando no registo a pobreza do casal.
Apesar de saber falar francês, inglês e um pouco de italiano e de espanhol, acabaria por se distinguir numa área inesperada. Primeiro, ele fez-se pedreiro. No entanto, como os proveitos nessas funções eram escassos, Luciano aproveitou a oportunidade para realizar uma atividade que ninguém queria…
Foi em 1899 que realizou uma tarefa pela qual ficaria célebre. Ele teve uma profissão bizarra, a de matador nos canos de esgoto. Ele era um homem que vivia a matar ratos e ratazanas.
Começou essas funções num momento em que a peste bubónica surgiu pela terceira vez na Europa, tendo começado pelo Porto. Lisboa resolveu antecipar-se e prevenir. Por isso, contratou este homem como matador dos roedores.
As pulgas de ratos e ratazanas causavam a disseminação da doença. Ele entrava determinado na rede de esgoto da baixa (que foi construída após o terramoto de 1755, com canos de 2,5 metros de altura por dois de largura) e era nos esgotos de Lisboa que ele desempenhava essa tarefa sangrenta… Luciano matava-os, frequentemente, à paulada!
Aos 43 anos, tornou-se numa celebridade municipal e consolidou a fama como “Luciano das ratas”. Ele exterminou mais de 100 mil ratos e ratazanas em sete anos. Ele ganhava cerca de 20 réis por cabeça. No mês de fevereiro de 1901, João da Câmara abria a sua crónica com ele. O dramaturgo escrevia na intelectual revista “O Ocidente”. João da Câmara escreveu o seguinte sobre o portuense: “Na ordem do dia está o Luciano das ratas”.
Tendo informado que, apesar de só ter passado um ano “brandindo o cacete com maior denodo que Alexandre a espada”, já tinha ficado com a alcunha que o tornou famoso. Desta forma, Luciano tinha outro estatuto. Era uma figura pública numa cidade que na época estava habitada por quase 400 mil pessoas. Surpreendentemente, o município despediria Luciano pouco depois.
Luciano sentiu-se defraudado com a decisão do município de Lisboa. Ele era um homem inteligente. Por isso, queixou-se a José Bento Ferreira de Almeida, que se tratava então do ex-ministro da Marinha.
Este político ficou ligado a um pensamento polémico. Ele queria que o nosso país vendesse as colónias para pagar a dívida externa. O deputado escutou Luciano e levou o assunto ao Parlamento por duas vezes, forçando a atribuição de uma “caridade” para o sustento da família de Luciano, que era autor de “um serviço público considerado útil”.
No ano de 1903, a soldo do governo civil, Luciano torna-se presença diária nos jornais. O título das notícias é a sua alcunha Luciano das Ratas e no corpo do texto são apresentados os números da matança e é dada informação sobre as descobertas realizadas nos subterrâneos, nomeadamente as fugas de gás ou a da peça do castiçal que apara pingos da cera, em metal branco lavrado, um achado que valeu a Luciano mil réis do proprietário.
Luciano das Ratas trabalhava noite e dia. Além de ter de enfrentar a imundice e os ratos, também tinha de lidar com outros seres que se podem revelar muito rasteiros… os homens.
Recordou um momento em que viu três pessoas a medir canos. Luciano desconfiou logo das intenções desses homens. Esse não seria o primeiro assalto perpetrado nos subterrâneos. Por isso, quando Luciano ouviu o seu nome a ser proferido pelos homens, desatou a fugir. Ele depois contou o sucedido à redação de “O Século” e referiu o que tinha visto quando já tinha matado 46 ratos.
Por isso, no dia seguinte, os leitores do diário ficaram a saber do sucedido, além de terem sido informados de que Luciano das ratas passara a fazer-se acompanhar por uma pessoa que se encontrava armada de revólver. Por isso, os assaltantes teriam de ter cuidado…
No ano de 1904, foi Júlio Castilho a centrar a sua atenção em Luciano. O escritor considera-o uma celebridade municipal. No verão desse ano, o matador de ratos tem a oportunidade de integrar no seu CV outras funções, mais especificamente a profissão de banheiro.
Só em setembro, Luciano das Ratas deu banho a 1600 crianças. Essa tarefa realizou-se na praia do Cais do Sodré. Por essas funções, Luciano ganhava entre 20 e 50 réis por cada criança. No entanto, não cobrava nada às mais pobres.
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O jornal “O Século” referiu que Luciano tinha agora um aprendiz de 10 anos. Nesse ano, surgiu outra notícia que permite que se perceba tratar-se de uma referência na matéria. A alfândega encontrava-se com uma quantidade elevada de roedores nas suas instalações. Por isso, chamou o especialista Luciano para consultor.
O “Diário Ilustrado” lançou uma questão intrigante aos leitores no verão seguinte, “Qual é a mais ilustre das personagens contemporâneas?”. Uma das pessoas que respondeu à questão do diário revelou o seguinte: “No seu género, não há quem chegue ao celebérrimo Luciano das ratas!!”
Nessa altura, Luciano das Ratas era conhecido em toda a Lisboa. Apesar desse reconhecimento, o Estado não lhe pagava o que lhe devia. Por isso, a situação financeira de Luciano era débil.
Como José Bento Ferreira de Almeida tinha, entretanto, morrido, Luciano queixa-se a Sebastião de Sousa Dantas Baracho. Este homem era um deputado que chegou a desafiar o Presidente do Conselho e o Ministro da Guerra para um duelo.
No mês de outubro de 1906, Luciano já tem 110 mil ratos na sua conta, como tinha dito o conhecido polemista, apelando a que fosse feito o pagamento ao “útil cidadão e bom chefe de família”. O ministro das Obras Públicas assegurou no Parlamento que o governo civil iria fazê-lo.
No entanto, em janeiro de 1907, a tuberculose atacou Luciano. Para o ajudar, o jornal “O Século” abriu uma subscrição a favor do matador de ratos. Os leitores aderiram à ideia e contribuíram. Contudo, Luciano morreu um pouco mais tarde, no dia 24 de junho desse ano. A “Vanguarda” apresentou num artigo: “Durante muito tempo foi mais útil do que o franquismo [governo de João Franco]”.