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Vencido o Bojador, Portugal afirmou-se de vez como uma potência marítima. Os descobrimentos henriquinos foram assimilados pela coroa em 1443 quando o rei de Portugal se afirmou como senhor dos mares. A carta assinada pelo infante D. Pedro, como regente, é uma das peças mais extraordinárias da diplomacia portuguesa. D. Henrique ordenara as viagens para sul, no âmbito de uma empresa privada, mas agora os negócios da Guiné começavam a ser lucrativos e a despertar o interesse de outros privados, portugueses ou estrangeiros.
O infante queria manter o exclusivo da exploração e do comércio da Guiné, mas faltava-lhe autoridade de estado para poder reclamar legalmente qualquer tipo de monopólio. Foi decerto fácil o entendimento com o irmão regente, e este concedeu, em nome do rei, o exclusivo da navegação a sul do Bojador a D. Henrique, a título vitalício. Ao conceder este monopólio, a um dos seus súbditos, a coroa estava, afinal, a proclamar a posse do mar oceano, o que levou as caravelas henriquinas a atacar todos os que desafiaram esta doação, mesmo que fossem estrangeiros. Quer isto dizer que, depois de ter obtido um estabelecimento na boca do Mediterrâneo e de ter ocupado as ilhas mais próximas do seu território peninsular, Portugal olhava para o Atlântico como um mare nostrum, o que foi, aliás, reconhecido pela própria cristandade, desde que o papa Nicolau V assinou a bula romanus pontifex, a 8 de Janeiro de 1455, que confirmava os termos da carta de 1443.
Comerciar, não colonizar
Ao contrário do que a tradição fez crer, D. Afonso V foi um rei atento ao progresso dos Descobrimentos e que controlou as viagens de exploração desde a morte do infante D. Henrique. A sua política ultramarina foi consagrada pelo Tratado das Alcáçovas-Toledo (1479-1480), pelo qual Castela lhe reconhecia o senhorio do mar a troco da posse das Canárias. Nos anos 80 do século XV, Portugal continuou a dominar o Atlântico, e D. João II (r. 1481-1495) obteve a passagem para o Índico com a viagem de Bartolomeu Dias (1487-1488). O monarca tinha como objectivo a descoberta do caminho marítimo para a Índia, mas quando estava em condições de enviar uma armada ao Oriente, Cristóvão Colombo embaraçou os seus planos, ao trazer de volta Castela para o Atlântico. Figura controversa e enigmática, Colombo julgava que era mais fácil chegar à Ásia pela via do Ocidente e conseguiu convencer a rainha de Castela a apoiar as suas ideias.
As teses que defendem que Colombo estaria ao serviço do Príncipe Perfeito não fazem sentido: Colombo foi um empecilho para D. João II e obrigou-o a abdicar da sua política de mare nostrum e a partilhar o oceano e o mundo com os castelhanos, o que foi resolvido pelo Tratado de Tordesilhas.
A viagem de 1492 pôs finalmente o homem europeu em contacto permanente com um Novo Mundo e o Atlântico começou a ganhar uma nova margem, ao mesmo tempo que libertava Castela da hegemonia aragonesa e dos seus interesses mediterrânicos. Sem o saber e sem o perceber, Colombo (fosse ele quem fosse) alterou duplamente o sentido da História, pois projectou a Europa para a América ao mesmo tempo que alterava decisivamente o jogo de forças entre Castela e Aragão a favor da primeira, abrindo caminho de vez para uma Espanha de predominância castelhana. Nada disto era desejado por D. João II pelo que as teses que defendem que Colombo estaria ao serviço do Príncipe Perfeito não fazem sentido (ainda que seja muito possível que o almirante fosse português); Colombo foi um empecilho para o rei de Portugal e obrigou-o mesmo a abdicar da sua política de mare nostrume a partilhar o oceano e o mundo com os castelhanos, o que foi resolvido pelo Tratado de Tordesilhas, em 1494.
As descobertas castelhanas a Ocidente não demoveram o rei D. João II do seu objectivo e o seu sucessor, D. Manuel I (r. 1495-1521) completou o plano joanino e enviou os seus homens para os mares do Oriente. Entre 1498 e 1509 os Portugueses lograram intrometer-se no comércio euro-asiático das especiarias e abriram uma nova rota intercontinental que ligava Cochim, na Índia, a Lisboa.
Depois da viagem pioneira de Vasco da Gama (1497-1499) e da expedição de Pedro Álvares Cabral (1500-1501) que assegurou o controlo das terras no sudoeste do Atlântico, o rei enviou armadas todos os anos, tendo começado por garantir uma aliança firme com um potentado indiano, que foi o rei de Cochim, que se tornou no principal fornecedor de especiarias, ao mesmo tempo que ensaiava o ataque ao Mar Vermelho a fim de impedir o acesso de especiarias ao Cairo e a Alexandria, o que beneficiaria os negócios de Lisboa, mas também contribuiria para a asfixia do sultanato dos Mamelucos, a potência islâmica que controlava o Próximo Oriente, incluindo as cidades santas de Meca, Medina e Jerusalém. O monarca luso sonhava com a Cruzada à Terra Santa e logrou, de facto, enfraquecer os Mamelucos, mas a cristandade estava demasiado dividida e ameaçada pelos Turcos para ter condições de organizar um novo ataque à Terra Santa.
Quer as fortalezas na Guiné quer as no Índico não correspondiam a conquistas militares, e muito menos a centros coloniais; eram simplesmente um conjunto de guarnições fortificadas destinadas a proteger o trato oceânico. Os Portugueses negociavam nas praias de África, sem se aventurarem para o interior.
Entretanto, os negócios da Índia foram-se tornando mais complexos e D. Manuel I decidiu criar um comando permanente no Oriente e fez de D. Francisco de Almeida o 1º vice-rei da Índia, em 1505. D. Francisco governou durante quatro anos e nesses anos assegurou o domínio do Índico Ocidental, tendo criado as rotas necessárias para alimentar o trato das especiarias com ouro da África Oriental, e tendo eliminado a armada enviada pelo sultão do Cairo, na batalha naval de Diu, em Fevereiro de 1509.
Nesta altura, a coroa lusa dominava os quatro arquipélagos atlânticos, uma rede de fortalezas em Marrocos, mais duas na costa ocidental africana (Arguim e São Jorge da Mina) e uma pequena rede castelos no Índico Ocidental, desde Sofala até Coulão. No entanto, quer as fortalezas na Guiné quer as no Índico não correspondiam a conquistas militares dos Portugueses, e muito menos a centros coloniais; eram simplesmente um conjunto de guarnições fortificadas destinadas a proteger o trato oceânico. Os Portugueses negociavam nas praias de África, sem se aventurarem para o interior, e recolhiam o pau-brasil à vista do mar, com a colaboração dos indígenas. As fortalezas de Arguim e de São Jorge da Mina existiam apenas porque as populações locais deixavam e serviam somente para proteger as feitorias do ouro de possíveis ataques de outros europeus.
Nos primeiros cem anos de expansionismo, os Portugueses criaram um império marítimo, que tocava quatro continentes, mas que estava vocacionado para o controlo de circuitos mercantis e dos seus portos e que instalava as suas guarnições em territórios de reis aliados ou submetidos.
Desde 1500, os portugueses lutavam persistentemente nos mares da Ásia e tinham acumulado um grande número de vitórias, mas nunca tinham realizado conquistas territoriais, salvo o caso excepcional e momentâneo da ilha de Socotorá (1506-1510). Nos primeiros cem anos de expansionismo, os Portugueses criaram um império marítimo, que tocava quatro continentes, mas que estava vocacionado para o controlo de circuitos mercantis e dos seus portos e que instalava as suas guarnições em territórios de reis aliados ou submetidos. Embora já decorresse uma tentativa de cristianização do reino do Congo, cujo soberano aceitara o baptismo, até então a coroa portuguesa não tinha desenvolvido nem uma política colonial nem sequer uma política de conquista. Mesmo em Marrocos, os Portugueses só controlavam, de facto, o interior dos seus espaços amuralhados onde viviam quase só cristãos, nunca tendo despontado aí qualquer tipo de sociedade multicultural. Tudo se alterou nos anos seguintes depois de Afonso de Albuquerque assumir o governo da Índia, no final de 1509.
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