Há 28 anos um povo lutou contra os eucaliptos. E a terra nunca mais ardeu
Em 1989 houve uma guerra no vale do Lila, em Valpaços. Centenas de pessoas juntaram-se para destruir 200 hectares de eucaliptos, com medo que as árvores lhes roubassem a água e trouxessem o fogo. A polícia carregou sobre a população, mas o povo não se demoveu.
«Foi o nosso 25 de Abril», diz Maria João Sousa, que tinha 15 anos quando a revolução chegou à sua terra. No dia 31 de março de 1989, a rebate do sino, 800 pessoas juntaram-se na Veiga do Lila, uma pequena aldeia de Valpaços, e protagonizaram um dos maiores protestos ambientais que alguma vez aconteceram em Portugal.
A ação fora concertada entre sete ou oito povoações de um escondidíssimo vale transmontano, e depois juntaram-se ecologistas do Porto e de Bragança à causa. Numa tarde de domingo, largaram todos para destruir os 200 hectares de eucaliptos que uma empresa de celulose andava a plantar na quinta do Ermeiro, a maior propiedade agrícola da região.
À sua espera tinham a GNR, duas centenas de agentes. Formavam uma primeira barreira com o objetivo de impedir o povo de arrancar os pés das árvores, mas eram poucos para uma revolta tão grande.

«Naquele dia ninguém sentia medo. Eles atiravam tiros para o ar e parecia que tínhamos uma força qualquer a fazer-nos avançar», lembra Maria João Sousa.
Maria João, que nesse dia usava uma camisola vermelha impressa com a figura do Rato Mickey, nem deu pelo polícia que lhe agarrou no braço. «Ide para casa ver os desenhos animados», atirou-lhe, mas a rapariga restaurou a liberdade de movimentos com um safanão: «Estava tão convicta que não sentia medo nenhum. Naquele dia ninguém sentia medo nenhum. Eles atiravam tiros para o ar e parecia que tínhamos uma força qualquer a fazer-nos avançar.»
A tensão subiria de tom ao longo da tarde. «Houve ali uma altura em que pensei que as coisas podiam correr para o torto», diz agora António Morais, o cabecilha dos protestos. Havia agentes de Trás os Montes inteiros, da Régua e de Chaves, de Vila Real e Mirandela.
Mas também lá estava a imprensa, e ainda hoje o homem acredita que foi por isso que a violência não escalou mais. Algumas cargas, pedrada de um lado, cacetadas do outro, mas nada que conseguisse calar um coro de homens e mulheres, canalha e velharia: «Oliveiras sim, eucaliptos não».
«Não queríamos arder aqui todos»
A guerra tinha começado a ser preparada um par de meses antes, quando António Morais, proprietário de vários hectares de olival no Lila, percebeu que uma empresa subsidiária da Soporcel se preparava para substituir 200 hectares de oliveiras por eucaliptos para a indústria do papel. «Tinham recebido fundos perdidos do Estado para reflorestar o vale sem sequer consultarem a população», revolta-se ainda, 28 anos depois.
«Nessa altura o ministério da agricultura defendia com unhas e dentes a plantação de eucaliptos.» Álvaro Barreto, titular da pasta, fora anos antes presidente do conselho de administração da Soporcel e tornaria ao cargo em 1990, pouco depois das gentes de Valpaços lhe fazerem frente.

«A tese dominante dos governos de Cavaco Silva era que urgia substituir o minifúndio e a agricultura de subsistência por monoculturas mais rentáveis, era preciso rentabilizar a floresta em grande escala», diz António Morais. Os eucaliptos adivinhavam-se uma solução fácil.
Crescia rápido e tinha boas margens de lucro. Portugal, aliás, ganharia em poucos anos um papel de destaque na indústria de celulose e os pequenos proprietários poderiam resolver muitos problemas de insolvência abastecendo as grandes empresas com uma floresta renovada. A teoria acabaria por vingar em todo o país, sobretudo no interior centro e norte. Mas não em Valpaços.
«Numa região onde a água é tudo menos abundante, teríamos [por causa do eucalipto] problemas de viabilidade das outras culturas», diz António Morais.
«Comecei a ler coisas e percebi que os eucaliptos nos trariam grandes problemas», continua António Morais. «Por um lado, numa região onde a água é tudo menos abundante, teríamos grandes problemas de viabilidade das outras culturas. Nomeadamente o olival, que sempre foi a riqueza deste povo. E depois havia os incêndios, que eram o diabo. São árvores altamente combustíveis e que atingem uma altura muito grande.»
Na terra quente transmontana o ano são oito meses de inverno e quatro de inferno. O fogo, tinha ele a certeza, chegaria com aquele arvoredo.
Uns meses antes da guerra, começou a conversar sobre o seu medo com algumas das mais relevantes personalidades do vale. Grandes proprietários, políticos da terra, as famílias mais reconhecidas. «Lentamente começou a formar-se um consenso de que o lucro fácil dos eucaliptos seria a médio prazo a nossa desgraça. Não queríamos deixar secar a nossa terra. E não queríamos arder aqui todos. Tínhamos de destruir aqueles eucaliptos, custasse o que custasse.»
(cont.)
ENTÃO o Cavaco Silva, é o responsável pela tragedia anunciada ? é o grande interessado na plantação de eucaliptos? E a população que morra de fome ou queimada … já que esta árvore que não faz parte da nossa floresta, é empobrecedora do solo a longa distância … Quanta ganância nada inteligente … E agora o que dizer aos familiares dos que perderam a vida ? Diga, Cavaco Silva !!