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Pablo Javier Pérez López: “Pessoa não acaba em Pessoa. É sempre uma janela para o mundo e para nós próprios”

Pablo Javier Pérez López tinha 18 anos quando visitou Lisboa pela primeira vez. Nascido em Valladolid, em Espanha, em 1983, foi também nessa altura que teve o primeiro contacto com Fernando Pessoa, um autor que não lhe era de todo desconhecido. Já tinha ouvido o nome antes, apesar de não se lembrar exatamente onde. “Comprei um e fiquei curioso com alguns dos versos“, disse. “Lembro-me sempre de um [verso], o primeiro que foi deveras marcante e que ficou tatuado: ‘Minhas mesmas emoções são coisas que me acontecem‘.”
Pode ter ficado tatuado, mas depois dessa primeira viagem, Peréz López não procurou saber mais sobre o poeta português que tanta atenção lhe despertou. “Só anos depois é que entrei no labirinto”, confessou. Essa entrada — essa verdadeira entrada — deu-se já na faculdade, quando estava a pensar em tirar um doutoramento em Filosofia, na Universidade de Valladolid. “Visto que tinha um grande interesse nas relações Poesia-Filosofia, tive de escolher um autor que fosse a encarnação deste diálogo e foi nesse momento que escolhi Pessoa.”
“Pessoa é um poeta que pensa e que faz pensar, mesmo quando quer fugir do pensamento que é, como sabiam bem [Bernardo] Soares e [Alberto] Caeiro, dor e impossibilidade de existir.” Pablo Javier Pérez López
E nunca mais o largou. “Pessoa encarna muito bem a categoria que ele próprio reivindicou no final de um poema de 1933: ‘E eu sou poeta e pensador!’. A luta entre a Razão e a Vida faz parte de Pessoa e o jogo estético da heteronímia é um desenvolvimento desse conflito trágico entre o sentimento e o pensamento, que havia também em Antero [de Quental], um dos seus mestres, que ele colocava no topo da lista dos ‘poetas-pensadores’“, explicou o investigador espanhol. “Pessoa é um poeta que pensa e que faz pensar, mesmo quando quer fugir do pensamento que é, como sabiam bem [Bernardo] Soares e [Alberto] Caeiro, dor e impossibilidade de existir.”
Depois de um labirinto chamado Fernando Pessoa, Pérez López mergulhou no “labirinto chamado espólio”, onde trabalhou de 2007 a 2009. Não apenas por curiosidade, mas porque compreendeu desde muito cedo que ainda havia muito por explorar no interior da mítica arca. Por divulgar. Além disso, “as edições nem sempre eram fiáveis”. “Não se pode ter uma ideia real do que Pessoa é, era ou significa sem mergulhar nos papéis. Ainda hoje há muitas coisas desconhecidas ou mal conhecidas.” E isso, em si, é um paradoxo. Mas, como se sabe, Fernando Pessoa era um grande fã de paradoxos.
Depois disso, publicou o livro Poesía, Ontologia y Tragedia en Fernando Pessoa (2012), fez parte da equipa responsável pelas obras do poeta na Ática e co-editou a obra Ibéria. Introdução a Um Imperialismo Futuro (2012), que reuniu pela primeira vez os textos pessoanos sobre o assunto ibérico e as relações de Portugal e Espanha, entre muitas outras obras e trabalhos. E assim se passaram dez anos.
“Pessoa não acaba em Pessoa. É sempre uma janela para o mundo e para nós próprios. Um espelho mágico, aliás, inesgotável.” Pablo Javier Pérez López
“No meu caso, pode-se dizer que a minha paixão provém desse diálogo essencial entre poesia e pensamento, dessa dimensão trágica que persiste na sua obra e através da qual sempre tentei olhar para Pessoa”, admitiu. “Para ele, mas também para o mundo, porque Pessoa não acaba em Pessoa. É sempre uma janela para o mundo e para nós próprios. Um espelho mágico, aliás, inesgotável.”
Autora: Rita Cipriano
Ilustração: Maria Gralheiro e Andreia Reisinho Costa
Fonte: Observador
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