Fernando Pessoa: porque é que o mundo se apaixonou por ele?
Falámos com cinco investigadores estrangeiros e tentámos perceber porque é que 81 anos depois da sua morte, Fernando Pessoa continua a despertar paixões.
Numa iniciativa que pretendeu ser um momento de encontro entre especialistas pessoanos, contribuindo “para o estímulo e o avanço da investigação sobre Pessoa”, como sugere uma nota de imprensa divulgada pela Casa Fernando Pessoa, responsável pela organização do congresso Internacional Fernando Pessoa, o que salta desde logo à vista é nacionalidade dos oradores — a maioria não era portuguesa, mas sim estrangeira. Um reflexo claro da internacionalização do poeta.
Há muito que nos habituámos a ver na capa dos livros dedicados a Fernando Pessoa o nome de algum investigador estrangeiro. Richard Zenith, que reside em Portugal desde 1987, tem sido um dos principais responsáveis pela divulgação da obra pessoana nos últimos 20 anos, em Portugal mas também além fronteiras. Nascido nos Estados Unidos da América, Zenith tornou-se português por amor a Pessoa, numa altura em que o poeta ainda estava longe de andar nas bocas do mundo. Mas hoje o caso é outro — o Fernando Pessoa do século XXI já não é só nosso, é de todos.
Mas como é que se explica o interesse de tantos investigadores, de tantos países diferentes, numa obra transversal, mas ainda assim tão portuguesa, tão lisboeta? E como é que Fernando Pessoa chega às mãos de quem vive em fora de Portugal? Esta é a história de cinco investigadores, de nacionalidades diferentes, com um poeta em comum.
Anna M. Klobucka: “Há finalmente o reconhecimento de Pessoa como um dos escritores modernistas europeus mais importantes”

Anna M. Klobucka não se lembra do primeiro contacto com Fernando Pessoa, mas sabe que foi durante o Curso para Estrangeiros da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que tirou entre 1983 e 1984, que se apaixonou definitivamente pelo poeta e pela literatura portuguesa. Não que tivesse havido um “momento de revelação, de coup de foudre, do caminho de Damasco”, mas sem dúvida um interesse imediato por “um poeta com outros poetas dentro”, que parece apelar a todos — incluindo aos seus alunos da Universidade de Massachusetts, em Dartmouth, onde dá aulas de literatura portuguesa e lusófona.
”Simplesmente nasceu em mim o desejo de poder voltar muitas mais vezes, regularmente, a Portugal e não fazê-lo como ‘turista’, ou seja, observadora distanciada, mas como observador participante.” Anna M. Klobucka
Anna Klobucka, polaca, estava no terceiro ano da licenciatura de Estudos Portugueses da Universidade de Varsóvia, na Polónia, quando viajou para Lisboa com o apoio do antigo Instituto da Cultura e Língua Portuguesa (agora Instituto Camões). Entre as muitas aulas que teve, conta-se um seminário de Poesia Portuguesa Contemporânea com Joaquim Manuel Magalhães, “em que Pessoa era uma presença recorrente”. “Foi uma altura em que o interesse académico, que já estava razoavelmente desenvolvido, se aliou a uma pulsão afetiva muito clara e determinada”, recordou. “Simplesmente nasceu em mim o desejo de poder voltar muitas mais vezes, regularmente, a Portugal e não fazê-lo como ‘turista’, ou seja, observadora distanciada, mas como observador participante.”
À licenciatura e mestrado na Universidade de Varsóvia, seguiu-se um doutoramento em Línguas e Literaturas Românicas na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos da América. Foi aí que começou verdadeiramente a aprofundar o seu conhecimento em literatura portuguesa e, também, em Fernando Pessoa. “Mesmo sem me especializar propriamente em Pessoa no meu trabalho de investigação, nunca mais o larguei”, confessou a investigadora, que também tem trabalhado na área dos Estudos do Género.
A razão por nunca mais ter largado Pessoa é “banal”, como ela própria admite. O que mais a fascina é mesmo “a intensidade e variedade daquela galáxia de textos, subjetividades e posicionamentos que Pessoa pôs em andamento perpétuo na obra que nos deixou, e que continua a movimentar-se, gerando leituras e significados que o próprio autor não teria maneira de prever, mas que o seu génio potenciou”.
“Há traduções, há textos pessoanos nos círculos universitários (não só de Estudos Portugueses). Mas este reconhecimento tardou a instaurar-se, sobretudo no mundo anglo-saxónico.” Anna M. Klobucka
Numa altura em que o poeta português parece ser mais popular do que nunca, Anna Klobucka acredita que vale a pena pensar porque é que “só há tão (relativamente) pouco tempo” é que Pessoa “entrou para o cânone do modernismo europeu”. “Isto, claro, deve-se à posição periférica de Portugal e da língua portuguesa na cultura ocidental”, avançou. “Neste momento, há finalmente o reconhecimento mais ou menos generalizado de Pessoa como um dos escritores modernistas europeus mais importantes. Há traduções, há textos pessoanos nos círculos universitários (não só de Estudos Portugueses)”, o que não acontecia há uns anos. “Mas este reconhecimento tardou a instaurar-se, sobretudo no mundo anglo-saxónico.”
Nos Estados Unidos da América, a divulgação é hoje muito mais “dinâmica” do que era nos anos 60, quando Jorge de Sena, que integrou o corpo docente da Universidade de Wisconsin a partir de 1965, começou a divulgar a obra do poeta além-mar. “Sobretudo graças ao empenho e grande talento do Richard Zenith”, admitiu a investigadora. “Quando sair a biografia de Pessoa em que o Richard está a trabalhar, este reconhecimento que já existe subirá de patamar de uma forma muito decisiva, parece-me.” E na Polónia? “Não é muito diferente do que tem acontecido em outras partes do mundo: têm saído cada vez mais traduções e Pessoa é um nome razoavelmente reconhecível.”
(cont.)