_
Naquela manhã fizera o curativo a uns quantos enfermos. Na maior parte dos casos foram feridas, contusões e inchaços nos olhos. O remédio daquele tempo eram os “pachos de papas de linhaça”.
Eram uns quadrados de pano cru onde se colocava a papa, dobrados de pontas para o centro para não verter a poção. A pequena “almofada” era depois colocada, como um penso, no ferimento.
Foi a sua redenção. Correu à cozinha e fez uma massa de farinha, pois a pouco mais tinha acesso, e cortou-a em pequenos quadrados. Não tinha doce mas, tendo guardado religiosamente o cibo de açúcar que lhe cabia em ração, fez uma compota de calondro (abóbora).
O tacho ao lume poucas suspeitas levantava. As cascas e sobras só lembravam o pouco uso que tinha no caldo e o muito na engorda do gado. E a massa escurecida pelo ponto do açúcar não mais do que a linhaça da mezinha, que se quer cozida.
Dobrou a massa por cima da compota, à imagem dos “pachos”, e cozeu-os no forno sempre quente a qualquer hora do dia. Despachou-se em seguida a escondê-los debaixo do catre da sua cela.
No caminho cruzou-se com a Madre Superiora. No meio da escuridão a abadessa pergunta-lhe o que leva no tabuleiro. A velha senhora ainda empina o nariz para ver se o adivinha pelo cheiro. Diz-se que na falta de um ou outro sentido os restantes se apuram, mas nesta apenas o ouvido era de tísica.
A resposta, depois de um primeiro engasgar, soltou-se logo. Era tudo em nome das duas santas, a da “receita” e a das rosas, imitadas nesta aspiração de ser igual quando se professa e toma hábito e voto:
“São pachos de linhaça Irmã Madre… para os meus doentinhos que amanhã virão”.
Dali para a frente, e já Irmã Imaculada de Jesus, fez sempre que podia, houvesse ou não olho tumefacto, gretado, remeloso ou negro de um qualquer sopapo de briga de feira, os “pachos” de abóbora.
Não eram muito agradáveis à vista mas, ao menos, satisfaziam-lhe a gula e calavam na profundeza da alma o pecado que não sentia porque, comendo-os na escuridão da cela e da noite, sabia, porque o tinha ouvido dizer, que “do que não se vê não se peca”.
Da evolução dos pachos de abóbora para os pitos que no dia de Santa Luzia se celebram, não rezam as crónicas consultadas, e outras não há que o confirmem ou desmintam.
(cont.)
NO CU M€NT$!!!!DÔC€$,Né?