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O TRUNFO DOS AÇORES
Posto de lado o risco de invasão do continente, os Açores revelar-se-iam a parte do território nacional mais disputada, já que a posse de bases aeronavais no arquipélago seria de importância fulcral para ambos os lados em confronto. Mas a Alemanha, potência sobretudo continental, não dispunha de meios para o ocupar.
Quanto à Inglaterra, solicitou a Salazar a concessão de bases nas ilhas, o que este começou por rejeitar receando represálias dos alemães, com os quais mantinha um frutuoso diálogo económico que incluía a venda de volfrâmio pago em barras de ouro.
Ciumenta, a Inglaterra, à qual Portugal também fornecia volfrâmio, chegou a esboçar um boicote económico ao nosso país, para desgosto do embaixador Armindo Monteiro, um anglófilo que preconizava a entrada na guerra ao lado dos britânicos, ousadia que lhe valeria a substituição no cargo.
O governo de Churchill, que via em Monteiro um bom substituto de Salazar, chegou até a mover cordelinhos para o depor através de um golpe, mas a mudança de atitude do ditador português quanto aos Açores fá-lo-ia recuar.
Resumindo: durante a primeira parte do conflito, até à reviravolta na sorte das armas do outono-inverno de 1942-43, Salazar pôde sem custo gerir uma neutralidade que apregoava rigorosa e que tanto ingleses como alemães gostariam de ver mais colaborante. Mas ao aperceber-se de que os Aliados tinham todas as probabilidades de vencer respondeu favoravelmente aos pedidos de Londres, e uma base britânica acabou por ser instalada nos Açores.
Ao pedido inglês seguiu-se o americano, e uma vez mais Salazar optou numa primeira instância pela negativa: tolerava a Inglaterra mas detestava os EUA e desconfiava do papel que uma América convertida em superpotência pudesse vir a desempenhar num mundo talvez futuramente pautado por valores de um liberalismo extremo.
Mas também aqui acabaria por ceder, rendido ao peso das tropas americanas deslocadas para a Europa na contenção do expansionismo soviético para Ocidente.
Amainada a tempestade, Salazar sobreviveu, contra as previsões. A lógica maniqueísta da Guerra Fria fazia-o alinhar do lado dos “bons” capitalistas contra os “maus” comunistas. Igual sorte teve Franco, mesmo sem ter cedido bases aos Aliados nem ter encenado, como Salazar, um simulacro de eleições legislativas.
Houve mérito de Salazar na manutenção do estatuto de neutralidade? O seu único verdadeiro mérito terá sido o de se esforçar por conter a adesão de Franco ao Eixo. Mas se Portugal não entrou na conflagração foi, primeiro, porque Hitler acabou por não invadir a Península; e, depois, porque a Inglaterra assim o quis.
MENTIRA N.º 5
Os castelos são do tempo dos mouros
Tinham sido, mas o tempo destruíra-os. Então, o Estado Novo decidiu reerguê-los como achou que ficavam melhor com muitas ameias bem recortadas. E fez o mesmo a igrejas medievais.
Antes da década de 40 do século XX, quem percorresse o País quase não encontraria castelos. Reduzidas as antigas fortalezas medievais a montes de pedras, só a custo se conseguiria divisar aqui ou ali um pedaço de muralha, um vestígio de escadaria ou uma torre arruinada.
Querem ouvir uma história? Se, num belo dia de 1836, um dos vereadores vimaranenses tivesse votado de forma diferente numa reunião camarária, o Castelo de Guimarães teria sido demolido e a sua pedra utilizada para calcetar as ruas. Foi por um só voto que saiu derrotada a proposta nesse sentido apresentada pela Sociedade Patriótica Vimaranense.
Vá lá, compreende-se: estava ainda bem viva na memória de todos a guerra civil entre os liberais de D. Pedro e os absolutistas de D. Miguel, e o castelo tinha servido de prisão política miguelista…
Mesmo assim, ainda seria demolida a Torre de S. Bento, antes de, em 1881, a fortaleza ter sido classificada como “monumento histórico de primeira classe” e, em 1908, ter ascendido à dignidade de “monumento nacional”.
Veio depois o Estado Novo, com toda a encenação que é apanágio dos regimes ditatoriais, ancorados em glórias passadas e palpitações nacionalistas e os castelos foram postos de pé como construções de cartolina. Em Guimarães, foi a partir de 1937 que se procedeu a obras de intervenção, surgindo aos olhos de todos um harmonioso edifício de torres direitas e ameias certinhas rodeado de árvores frondosas e de extensos relvados.
É esse o castelo que hoje vemos e que podemos visitar, associando-o a D. Afonso Henriques e apodando-o de “berço da nacionalidade”.
Mas o castelo de Guimarães não é caso único longe disso. Também muitos dos lisboetas das últimas três ou quatro gerações, que se habituaram a passear, a meditar e a namorar no Castelo de São Jorge, nem sequer sonham que há pouco mais de meio século aquele suposto testemunho do passado da cidade pura e simplesmente não existia.
Mas a verdade é que as muralhas e torres hoje visíveis foram construídas a partir de 1938, no âmbito do tal programa salazarista de devolução de muitos dos monumentos nacionais a uma desejada pureza original, mas que frequentemente não passou de uma recriação livre dos edifícios ao sabor dos gostos de arquitetos e decoradores.
(cont.)